quinta-feira, 10 de agosto de 2017

Voar é diferente de bater as asas



Deve ser possível morrer de tristeza. Já deve ter acontecido. Imagine-se o caso em que a solidão se junta com o desgosto. Os animais morrem de tristeza, eu sei. Tive, em tempos, um casal de periquitos numa gaiola em minha casa. Certo dia, a minha avó, com a mania das limpezas, mexeu na gaiola e deixou fugir um. Não sei se era o periquito macho ou o periquito fêmea, na verdade nunca consegui distingui-los.

Dei-lhes nomes mas não me lembro quais. Sei que eram azuis e cantavam quando estavam ao sol. Quando estava em casa ao fim-de-semana, o meu pai mudava-os para um sítio ao sol, exclusivamente preparado para eles, e voltava a colocá-los no mesmo sítio ao final do dia.

Os passarinhos foram-me oferecidos por a minha outra avó, e eu fiquei responsável por cuidar deles, tendo acabado o meu pai a tratar deles todos os dias. Mudava a água e enchia o recipiente da comida. Chegamos a comprar um ninho, onde puseram várioovos, mas que nunca viu nascer nenhum periquito - quanta infelicidade terá sido para eles

Pode ter sido de velhice, já viviam naquela gaiola - que já era a segunda - há alguns anos, mas o que ficou morreu pouco tempo depois. Digam-me que foi da idade, mas a mim ninguém me tira a ideia de que aquele periquito/a não quis viver mais. Agastou-se com a solidão e acabou por morrer de tristeza. Os animais morrem de tristeza.

Inquieta-me, porém, a razão para ter fugido. Tinha comida, água, amor e a liberdade foi uma coisa que nunca conhecera. Os ferros brancos da gaiola eram os limites do seu mundo. Foi, por ventura, um acto irreflectido, pelo qual mais tarde se veio a arrepender. Quero acreditar que tentou voltar mas não conseguiu. É que o caminho de voltar não era igual ao que o levou da gaiola para fora. Terá acabado por morrer como consequência de não saber viver livre. Duas mortes que deviam ter sido engaioladas até à velhice.