quinta-feira, 15 de setembro de 2016

A Quimera do Sonho


Chegou a hora. A hora para muita coisa. Para regressar à rotina de amar e escrever e de escrever a sofrer, para me sentir outra vez. Parágrafo. 

É incrível a quantidade de vezes que prolongamos os nossos desassossegos no submundo do sonho. Assola-nos a incerteza de sonhar o desejado, de expurgar os fantasmas em forma de pesadelos ou de nem acontecer nada, ignorando benevolentemente a passagem do tempo. O primeiro é inquestionavelmente mais prazeroso. Dissimulado no presente, acalenta uma possibilidade num futuro que é somente uma página em branco a implorar para ser escrita.

Finalmente tu. Foram tantas as vezes que cobicei tão desmedida irrealidade. Mais real do que os filmes por quais vais chorando. Sem câmaras, com personagens reais. E tudo melhor que num filme. Tem cor, sabor, desejo e amor. Sente-se na pele. Sai da pele. Nesse espaço abstracto do sonho idealizei tudo assim. Dois corpos suavemente fundidos num abraço sentido, um beijo no canto da boca. Beijei-te. Abracei-te. Beijei-te. Abracei-te. Assustada por razões inerentes à imprevisibilidade do sonho, choravas. Ali, tão só, no meio da gente que dançava energicamente à volta daquele mastro inventado, numa noite de Santo António, choravas. Nunca houvera ali um mastro, nem baile, nem tão pouco Santo António, mas continuamos a dançar ao ritmo de um amor imaginado, num sonho fantástico. 

Não moravas longe, e mesmo a pé, levei-te para prolongar este sonho e dormir descansado. Até a sonhar pensava em dormir para sonhar contigo. Conversamos até que as lágrimas cessassem para que o sorriso aparecesse. Mais belo que nunca, soltou-se ao mesmo tempo do sol que ia nascendo, trépido. Uma noite acordado a dormir para contemplar este cenário. Missão cumprida, podia acordar.

Belisquei-me para ter a certeza que estava acordado. Doeu, estava mesmo. Triste fado aquele em que os sonhos não encerram premonições do futuro, mas antes manifestações inconscientes de alegrias, tristezas e outras banalidades que se expressam indomavelmente noite após noite. Riem, choram, gritam, têm vida própria. A tragédia, porém, sucede-se no acordar. Não por ser apenas um sonho, não por ser impossível de realizar. O desejo de viver o sonhado estranha-se mas depois entranha-se obsessivamente. Vai ter de acontecer outra vez. Acordado ou a dormir.