Há uma árvore no meu jardim. Passei por ela tantos dias e
nunca parei para contemplá-la. Não me cativava os frutos que sustentava, nem a atmosfera
que a envolvia. Num dos dias que por ela passava, vá-se lá saber porquê,
olhei-a com olhos de ver. Tinha um fruto novo a despontar, pequenino mas irreverente,
e adivinha-se vir a ser o meu rei daquela árvore.
A partir desse dia, todos os dias observava o fruto a
crescer. Levei um banco de casa e tanchei-o na terra seca, mesmo à frente dele,
sem medo que ele me visse. Durante muito tempo associei aquele fruto ao amor, e
via-o como a metáfora perfeita dessa cólera comum aos humanos. Germina, cresce,
enforma, cai ou é apanhado e, por fim, não é mais do que uma finta ao apetite.
Até nos frutos, os mais bonitos nem sempre são os mais
saborosos. Assim como os mais saborosos nem sempre são os mais bonitos. Mas um
fruto podre será sempre podre, disso mantenho as certezas. Sempre que antes
passava por aquela árvore, do tempo que gastava a ver o que fazia crescer,
preferi sempre os frutos mais bonitos, mais lustrosos e apelativos, e foram
esses que nunca lá prenderam depois do sol-posto.
Não é proibido, mas o perigo orbita aquele fruto. Pode ser o medo de não ser tão saboroso quanto eu
penso que seja, de estar verde e talvez azedo. E nesse caso, além da reles
imagem com que ficaria, não podia amá-lo mais, porque já não existia. Por outro
lado, não posso esperar que caia de maduro, porque a queda pode causar danos a
tão precioso pedaço de natureza.
O jardim é só meu mas os saltimbancos da fruta andam sempre
à espreita e o risco de alguém o apanhar e comer antes de mim é permanente. Que
tragédia seria desejar tão energicamente alguma coisa e alguém fruir dela antes
de mim.
Cada dia que procrastino a indecisão, o sentimento agrava-se
tragicamente. As pernas tremem, e não fosse o banquinho, já nem forças tinha para
me segurar de pé. A boca abre-se mas não profere palavras, o sol não queima, o
frio não gela, o tempo não pára e o fruto continua ali, pendurado. Balança com
o vento mas com o meu sopro nem abana. Cobiço dia e noite a árvore mãe daquele
fruto. Nada acontece. E nada pode acontecer, porque ao contrário de quem sente, os
frutos não dão sinais de quando é que querem ser apanhados.