É tão frequente esquecer-me do que sonhei quanto as
vezes que me esqueço de ser feliz. Duas coisas que gosto verdadeiramente:
Sonhar e ser feliz. Não basta uma para a outra acontecer – todos o sabemos –
mas perdoem-me o cliché, “sonhar não custa”. E hoje o meu prorrogou-se no dia,
não me esqueci dele.
O sonho não é só um sonho. É uma manifestação esquizofrénica
do subconsciente, um desejo a pedir para existir. Raramente fazem sentido, mas
o Homem nunca faz tanto sentido como quando sonha. Porque é mais honesto quando
o faz, quando o egoísmo e o mal não coexistem, quando a realidade não é
escamoteada pelas vicissitudes contemporâneas do Mundo, quando os ouvidos são
moucos e o coração tagarela. Somos nós, em estado puro.
De pé, deitado, acordado ou a dormir, já sonhei muito.
Já imaginei pessoas, cenários mirabolantes, poesia e amor, amor sem poetas e
sensações extraordinariamente antagónicas. Também já acordei em sobressalto
beliscando o braço para convencer-me que era só um pesadelo. Mas foram poucas
as vezes que o sonhado se ajusta tão justamente à realidade da minha bolha.
Desta vez não acordei, deixei fluir o desespero.
E fez-me pensar. Se partilho a ira do personagem (eu,
quem sabe), não há como lutar. Dar asas à resiliência que mora em mim antes de
ser tarde e a realidade não ser mais imaginada. Sonhar-te ali, sem mim e com
quem não te queria ver, tocou as campainhas do medo. O
riso despido, o ar tonto, a volúpia da voz, o olhar túmido, a ingenuidade
meiga, o toque leve, desse leve espírito. O resvalo nessa quase-perfeição polarizada
fez-me ver que saíste de um sonho meu, foste sonhada. Quando estava bem
acordado.
Isto não foi um pesadelo, foi um abre-olhos.