Imagina-te descansado a dormir, sonhando com uma invasão
alienígena que extinguiria toda a espécie humana, e de repente o sol bate-te na
cara e começas a ouvir um barulho ensurdecedor que faz lembrar um aspirador.
Primeiro pensas que é o aproximar da arma apocalíptica, mas depois percebes que
é a tua mãe que entrou pelo quarto a dentro, a aspirar. Naquele que era o teu
dia de folga, depois daquela semana intensa de trabalho e que a única coisa
planeada era ir à bola. Haverá melhor maneira de começar um dia? Duvido. E foi
assim que começou o dia do sortudo Vítor. Alegou a mãe do próprio que um afazer
nas finanças carecia da máxima celeridade. Acordou, tomou banho e a meio da
lavagem acaba-se o gás. Nesse mesmo instante, com a pele engelhada e os dentes
tilintando sai da banheira para atender o telemóvel. Era o chefe, afinal
precisava dele porque a Olivia teve um esgotamento nervoso causado pelo enteado
que vive lá em casa desde os 3 anos após o abandono dos pais e que aos 43
continua solteiro.
O S. Pedro não estava de bons modos e chorou a manhã
inteira. Quando o Vítor estava a sair de casa, um carro passa a arrasar o passeio
e jorra para o jovem uma quantidade considerável de água. A suficiente para
fazê-lo regressar a casa e trocar a indumentária. Seguiu então depois para a
repartição de finanças. Lesta como a conhecemos, aquando da iminente chamada da
sua senha, está à sua frente um velho de 86 anos, que ouve mal, é rabugento e é
o típico pergunta-tudo. Ao paciente funcionário público, até sobre o prato do
dia na tasca do Salustiano indagou.
Depois da jornada à nobre repartição, dirige-se ao
local de trabalho, onde é informado que afinal a Olivia preferiu ir trabalhar
para evitar o enteado e que assim já não precisavam dele. Pediram desculpa por
não ligar a avisar. Ao menos isso.
Já no metro, tímidos gases provocados pela feijoada
à transmontana que almoçou na tasca do Salustiano porque ouviu o paciente
funcionário público dizer ao velho rabugento que era esse o prato do dia e teve
vontade de lá ir, iam assolando a carruagem de um aroma só agradável aos mais
sádicos. Mal chegou a casa, também potenciado pelo efeito laxante do café que
havia bebido, dirigiu-se imediatamente ao trono (Era assim que chamava a sanita).
Tal era a pressa de expelir tão notável quantidade de merda, nem verificou a
existência de papel. E não havia. Chamou pela mãe, no entanto a dócil
progenitora havia saído para comprar um filtro novo para o aspirador. De calças
descidas a meia-canela e nalgas o mais afastadas possível, caminhou
cautelosamente até à dispensa, perto da porta de entrada, com pretensões de
obter um novo rolo. Nisto, e inesperadamente, entra a irmã e o namorado em
casa. Boa tarde pareceu-lhe a saudação mais indicada, e retornou à casa de
banho, no mesmo quadro de miséria em que tinha saído dela, desta feita de rolo
em punho, e terminou o que ainda não havia começado.
Quando o dia até lhe estava de feição, e se
preparava para descansar no sofá, sobejamente bem acompanhado pelas “Tardes da
Júlia”, eis que começa a ouvir gemidos de prazer provenientes do quarto da
irmã. Pensou em fazer muita coisa, mas como nada é como nos filmes apenas pegou
nas chaves de casa e saiu. Desceu a avenida e decide entrar no Starbucks. Dado
o calor desgraçado que se fazia sentir, pediu um frappuccino de caramelo mas a
Cristina “botinhas” da Escola Primária reconheceu-o e, para se vingar de todas
as vezes em que o Vítor gozou com as suas botas ortopédicas, serviu-lhe um
expresso bem amargo. Surpreendentemente, o Vítor nem se importou, já que a Cristina
escreveu Vítor com ‘c’ e aludir a essa monstruosa patacoada na língua portuguesa
era a descrição perfeita e deveras mais original para a foto que já havia
pensado tirar ao copo para postar no instagram. Contudo, o talão não trazia a
password de wi-fi e como era fim do mês, os dados móveis estavam esgotados. Decidiu
então ir perguntar precisamente à Cristina pela password, isto porque ela agora
até tinha umas boas mamas e o aparelho já era passado. Ela, obviamente, ávida
de vingança, forneceu a password errada. O Vítor começou a juntar as peças do
puzzle e rapidamente chegou à conclusão que a culpa era muito provavelmente
daquele velho Sony Xperia que já tinha fazia um ano no mês que vinha. Deu o
murro na mesa. Bateu punho. Pelo meio derramou o seu expresso, mas que se foda
o expresso, ele ia comprar um Iphone! Lá foi. Já no estádio da Luz, tirou a sua
primeira foto que serviu para atestar a qualidade do engenho. Após
redimensionar no instasize, colocar o filtro, ajustar a luminosidade e o
contraste, e postar no instagram com partilha no facebook o jogo já levava 8
minutos e o Artur ainda não tinha feito nenhuma asneira entre os postes. Ainda.
Infelizmente, o Benfica perdeu.
Chegado a casa, ao jantar, o pai pergunta-lhe:
- Então filho, como correu o teu dia?
- Nem foi mau, só tenho pena do Benfica ter perdido.
- Deixa lá filho, importa é ter saúde.