segunda-feira, 23 de dezembro de 2013

Bernardo Silva – O Primeiro Capítulo

Distantes e provavelmente esquecidos vão os tempos em que o Futebol era jogado a régua e esquadro, com defesas-centrais dotados de uma técnica sobejamente fraca, com médios-defensivos (ou trincos) raçudos e rijos, aqueles que cerravam dentes e que mais nenhuma função tinham se não a de destruir o jogo adversário. Mais à frente no terreno, era a altura dos extremos, rápidos e franzinos, reservarem as laterais para constantes vaivéns, focados na cabeceira, para de seguida, com precisão mecânica, cruzarem a bola até ao avançado, alto e esguio, expert no jogo aéreo, finalizar. Porém, em toda esta orquestra, damos pela falta do seu maestro. O treinador? Pergunta quem me lê. Não, não é o treinador. É sim o 10, o verdadeiro maestro, o organizador de jogo, aquele em que o trinco colocava imediatamente a bola depois de recuperá-la (não vá ela queimar), aquele que metia eficazmente a bola nos extremos e que, se fosse o caso, ainda aparecia na área para ajudar o avançado a agitar as redes adversárias. São os Zidanes, os Maradonas, os Ronaldinhos, os Ruis Costas desta vida, que pisaram relvados com uma classe singular, há até quem diga, de fato e gravata. Chamem-me lunático, chamem-me clubista cego, o que mais se adequar ao vosso pensamento, mas a verdade é que não sou o único a afirmar que no Seixal brilha um jovem com as demais qualidades dos acima referidos: Bernardo de Carvalho e Silva.
Pese embora o Futebol seja nos nossos dias diferente, nomeadamente mais dinâmico e rápido, em que médios defensivos organizam jogo, organizadores de jogo são também extremos, avançados vêm atrás buscar jogo e extremos vão ao meio finalizar, beneficiando da subida pela linha dos ofensivos laterais, o aparecimento de um jogador com tamanha pureza, ainda para mais no meio-campo ofensivo, deslumbra-me. Bernardo Silva devolve-me esse brilho perdido no tempo, o toque de bola fluído, o drible curto, a cabeça levantada, a naturalidade com que pisa qualquer parte do terreno, sendo que é no centro que mais se evidencia com passes apaixonantes, deixando os avançados na cara do golo ou abrindo todo um corredor para o extremo. Como se tudo isso não chegasse, e apesar da sua fraca dimensão física, protege a bola como gente grande.  As incursões individuais, velozes, em direcção à baliza adversária também são uma constante nesta jovem promessa.
Este jovem, além de todas as qualidades já enumeradas, preserva dentro de si um benfiquismo ferrenho - e quem sabe se assim não é por ter nascido no ano do inesquecível 6-3 em Alvalade que consagrou o Benfica campeão - que me leva a crer que, em iguais circunstâncias técnico-tácticas, terá um desempenho muito mais assertivo, empenhado e apaixonado do que qualquer sérvio ou sul-americano, sem que estes tenham qualquer espécie de culpa por não amarem o Benfica após o parto. O pequeno ‘Messi Vermelho’, como alguns insistem em chamá-lo, respira o querer, a raça e a ambição encarnada. O Benfica é-lhe intrínseco.
Porém, o nosso ‘Messi Vermelho’ reside no clube em que a formação é única e exclusivamente ‘para sócio ver’, um método propagandístico de uma grande estrutura abalada facilmente por qualquer execrável empresário. Sem que por isso haja depois resultados práticos do (excelente) trabalho desenvolvido no Seixal a formar jogadores, e sobretudo homens, na equipa principal. Isto pode ser um entrave à afirmação do craque no seio Benfiquista – para os mais desatentos, porque no seio dos mais atentos já se desespera por ele. Contudo, acredito na predestinação e este jovem nasceu predestinado a pisar relvados, não como apanha-bolas, nem como árbitro, mas sim a envergar a nobre camisola 10 encarnada.

Para terminar, o seu valor é de tal maneira emergente e a sua forma regular, que a presença no lote dos 23 de Paulo Bento para o Brasil não me surpreenderia, dependerá apenas da sua própria sorte. A sorte de JJ se render ao seu talento e começar a utilizá-lo frequentemente na equipa A, à imagem de Ivan Cavaleiro, ou a sorte de JJ ser despedido a meio da época e o novo treinador que chegar, chegar rendido e começar igualmente a utilizá-lo. São, porém, cenários pouco prováveis, mas que ao acontecerem abrem as portas da selecção de Ronaldo a um outro prodígio, ocupando a vaga que Deco deixou no vértice ofensivo da equipa das quinas. A ausência de um 10 puro e Raul Meireles fazem-me acreditar na ida de Bernardo Silva à maior competição de Selecções do Mundo, ainda que para isso tenha que começar a jogar regularmente na equipa principal das Águias porque, apesar disto tudo, é ainda uma jovem promessa à espera de mais capítulos.